Uma Questão de Saúde Pública e Sustentabilidade
Todos os anos, um número alarmante de famílias brasileiras enfrenta os efeitos da poluição do ar, um problema que poderia ser mitigado. Em grande parte, esta poluição provém dos veículos que circulam pelas ruas e estradas do país, uma ameaça invisível, mas constante.
As emissões do transporte rodoviário são responsáveis por um número significativo de doenças e mortes evitáveis, impactando especialmente grupos vulneráveis, como crianças e idosos. Os casos de asma, por exemplo, têm uma concentração preocupante em crianças menores de cinco anos. Esses problemas de saúde não apenas afetam a qualidade de vida, mas também geram custos socioeconômicos altos, incluindo despesas com saúde e perda de produtividade escolar e laboral.
No entanto, esse cenário desafiador também se revela como uma oportunidade para o Brasil. Incentivar políticas que promovam a adoção de veículos elétricos pode não apenas melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, mas também proporcionar uma redução nos custos sociais e ajudar o país a alcançar suas metas climáticas. A questão que se coloca não é se o Brasil pode arcar com essa transição, mas sim se poderá suportar os custos de adiá-la.
Benefícios da Adoção Acelerada de Veículos Elétricos
Um estudo recente fez uma análise abrangente sobre o que o Brasil pode ganhar ao acelerar a inclusão de veículos elétricos leves, pesados e motocicletas em sua frota. Considerando um cenário ambicioso de eletrificação, onde os veículos elétricos (EVs) representem entre 80% e 100% das vendas de novos veículos até 2040, os resultados são promissores. Além da significativa redução nos impactos à saúde, a diminuição das emissões de gases de efeito estufa é igualmente notável, especialmente em um país onde as fontes renováveis representam cerca de 90% da geração de eletricidade, resultando em emissões indiretas muito baixas.
Os dados revelam benefícios consideráveis. A aceleração na adoção de EVs poderia evitar 6.410 casos de asma infantil, prevenir 4.070 mortes prematuras e salvar 68.300 anos de vida até 2040. Além disso, essa transição eliminaria cerca de 590 milhões de toneladas de CO₂ provenientes de escapamentos, resultando em uma redução total de 630 milhões de toneladas ao considerar as emissões ao longo do ciclo de vida dos combustíveis e da eletricidade.
Esse potencial se traduz em economia real para o Brasil. Com um valor estatístico da vida estimado entre 3,6 e 4,7 milhões de reais, os benefícios financeiros gerados pela redução da mortalidade podem totalizar entre 8 e 11 bilhões de reais (aproximadamente 1,6 a 2,0 bilhões de dólares), considerando uma taxa de desconto de 5%. Para efeito de comparação, esse montante corresponde a 3% a 4% dos gastos do governo brasileiro com saúde em 2021, tomando como base valores de 2019 ajustados para o ano em questão.
Impactos Positivos e Oportunidades de Emprego
Os benefícios relacionados à saúde estão diretamente conectados à rapidez com que os veículos elétricos substituem os modelos de motor de combustão interna. Em um cenário de eletrificação acelerada, a previsão é que os veículos elétricos possam representar até 50% da frota nas estradas até 2040, reduzindo a poluição pela metade. Comunidades, especialmente em áreas urbanas densas como São Paulo e Rio de Janeiro, perceberiam uma queda imediata em poluentes nocivos, como material particulado, ozônio e dióxido de nitrogênio.
Além de melhorar a qualidade do ar, a transição para veículos elétricos também pode gerar mais de 1 milhão de novos empregos no Brasil até 2050, de acordo com uma análise do ICCT. Esse crescimento envolveria tanto a manufatura e construção quanto o setor de serviços, representando uma mudança significativa no panorama econômico do país.
A Necessidade de Políticas Estruturalmente Sólidas
Infelizmente, apesar das vantagens claras dos veículos elétricos, um estudo do ICCT aponta que a falta de políticas robustas para a adoção desses veículos permitiu que as montadoras priorizassem modelos flex e híbridos. Enquanto países como China e Reino Unido avançam rapidamente na implementação de veículos elétricos, o Brasil corre o risco de atrasar ainda mais os benefícios relacionados à saúde e ao clima.
O Caminho à Frente: Uma Decisão Crucial
As evidências não podem ser ignoradas: a adoção acelerada de veículos elétricos trará bilhões de reais em economia na saúde até 2040. Por trás desses números, estão vidas que poderão ser vividas com melhor qualidade, em ambientes mais saudáveis.
Com a eletrificação da frota, o Brasil pode se posicionar para um futuro vantajoso, tanto em termos de saúde quanto de sustentabilidade. Cada veículo elétrico que substitui um modelo de combustão interna representa uma melhoria instantânea na qualidade do ar e uma diminuição das emissões de gases de efeito estufa.
À medida que a transição global para veículos elétricos avança, o Brasil possui as condições necessárias, com uma rede elétrica limpa e uma indústria automotiva em crescimento, para liderar essa transformação na região. O que permanece indefinido é a velocidade da transição. À medida que as montadoras se tornam mais capazes de oferecer veículos elétricos globalmente e com custos que diminuem progressivamente, as escolhas políticas ditarão se o Brasil conseguirá aproveitar todos os benefícios que impactam a saúde, o clima e a economia ou se continuará arcar com os custos de adiar essa decisão.
